Como as redes sociais roubam nosso foco e invadem nossa mente

Você, leitor, imagine que está escrevendo um e-mail: você tem um objetivo claro, escreve uma palavra e todo o seu cérebro está concentrado em escolher qual palavra virá em seguida. Mesmo que esteja profundamente imerso na tarefa, se um alarme soar de repente ou alguém gritar “cuidado!”, esse estímulo externo puxará a pessoa instintivamente para fora do foco de atenção escolhido, reiniciando o cérebro.

A atenção é um aspecto fundamental da cognição para exercer a vontade e agir de acordo com as próprias decisões e objetivos. Por isso, precisamos nos preocupar seriamente com a forma como o foco é “vendido”.

No que devo prestar atenção?

Há informações que inevitavelmente captam nossa atenção porque estão relacionadas a recompensas ou ameaças à nossa sobrevivência, como foi o caso da covid-19, que dominou os jornais da TV. O problema é que isso faz com que certos tópicos ocupem demais nossos pensamentos em detrimento de outras coisas mais fundamentais em nossa vida diária.

Todos nós temos um conceito mais ou menos vago sobre o que significa estar atento a algo. Mas se nos pedissem para definir a atenção em poucas palavras, acho que poucos de nós seríamos capazes de concluir a tarefa…

O mesmo acontece com os neurocientistas e psicólogos. É difícil definir o foco, porque, de certa forma, a atenção é uma capacidade cognitiva abrangente. Olhando para o cérebro, podemos destacar três aspectos fundamentais. Por um lado, para que a atenção exista, tem que haver uma boa ativação do cérebro, nem excessivamente alta nem excessivamente baixa, mas suficiente para poder selecionar e priorizar uma parte da enorme quantidade de informação que nos chega através dos sentidos. Além disso, é importante que a resposta seja controlada, deliberada, consciente e orientada a objetivos. Em resumo, os 3 pilares do foco seriam: ativação, seleção e controle.

Digamos que estamos na cozinha guardando as coisas do café da manhã e pensando em um problema no trabalho. Pode acontecer de colocarmos o açúcar na geladeira e a manteiga no armário onde o açúcar é guardado. O que chamaríamos de “viagem” nada mais é do que uma falha na etapa de controle da atenção. E como não tivemos conhecimento do que aconteceu, na manhã seguinte provavelmente enlouqueceremos em busca do açúcar.

Somos nós quem escolhemos o foco de atenção?

Não. E para entender o porquê, devemos diferenciar dois tipos de atenção. Quando um alarme ou outro evento externo capta nosso foco quase automaticamente, falamos de atenção de baixo para cima. É totalmente diferente da atenção de cima para baixo, ou seja, aquela que nos permite selecionar o foco de nossa atenção com base em nossas expectativas e objetivos. A primeira é comum a muitas outras espécies, enquanto a segunda é praticamente exclusiva do Homo sapiens. No entanto, sem este segundo tipo de atenção, as escolas não existiriam…

Isso mesmo. O fato de os seres humanos terem a capacidade de controlar a atenção e o comportamento de forma autônoma, de acordo com as expectativas ou objetivos de curto ou longo prazo, nos permite sentar em uma sala de aula e adquirir o conhecimento que nos foi transmitido pela geração que nos precedeu. A criação da escola como uma instituição para fortalecer e canalizar o aprendizado social é uma das grandes conquistas da espécie humana.

E, quando o estudante ou trabalhador não consegue focar por motivos de doenças psicológicas, como depressão e ansiedade, atualmente logo se procura por medicamentos que combatam esses sintomas: fluoxetina, sertralina, dapoxetina, por exemplo…

redes sociais

A atenção e o aprendizado estão intimamente relacionados

Sem dúvida. Quando aprendemos algo pela primeira vez, especialmente se envolver a execução de sequências de ações motoras, por exemplo, para andar de bicicleta ou dirigir, a demanda de recursos de foco é enorme.

Mas uma vez estabelecidas as conexões neurais necessárias, podemos começar a mudar de marcha sem pensar e até mesmo ter uma conversa tranquila com o passageiro, pois liberamos recursos atencionais. É uma atenção sem esforço, e nos permite ter mais recursos para tomar melhores decisões e estratégias, aperfeiçoando a execução.

Declarações de esportistas de renome provam isso, como Rafael Nadal, que reconheceu repetidamente que sua atenção (ou concentração) durante os jogos pode ser mais importante do que sua técnica.

E sem dúvida isso faz sentido. No esporte, quando depois de muita prática atingimos aquele estado de atenção sem esforço que mencionamos, não só melhora nossa capacidade de analisar a situação e reagir rapidamente, mas também melhora a execução dos movimentos, dos saques, das raquetadas, etc.

O foco é uma habilidade que se pode treinar!

Há os atletas que, inclusive, praticam meditação. Em vários experimentos, a meditação tem mostrado melhorar tanto o controle da atenção quanto a capacidade de regular as emoções. Esse controle, por sua vez, está relacionado ao nível de ativação cerebral do qual estávamos falando no início.

Para entender isso, vamos pensar em um jogador de basquetebol prestes a jogar um lance livre. A probabilidade de errar o arremesso será maior se ele acabou de acordar (nível de ativação muito baixo) ou se estiver na final da NBA e for um lance decisivo para ganhar ou perder o jogo (nível de ativação excessivo). Aumenta-se a probabilidade de acerto se o atleta conseguir manter um nível moderado de ativação cerebral mesmo em momentos de tensão.

O impacto da desigualdade social

O impacto da pobreza no desenvolvimento do cérebro é visto logo no início da vida. Os bebês que crescem em famílias com menos recursos mostram menos atividade em regiões do cérebro chave para a capacidade de regular a atenção e o comportamento. Com o passar do tempo, vemos que a desigualdade no desempenho escolar e no sucesso na carreira com base nos níveis de renda familiar está apenas aumentando.

Uma sociedade de bem-estar não deve deixar uma parte da comunidade para trás. Mesmo de um ponto de vista puramente econômico e social, uma sociedade tem melhores perspectivas de progresso quando os indivíduos nela podem empregar todos os seus recursos cognitivos e emocionais. Ensinar foco e atenção nas escolas inclusivas é parte da solução.

Concluindo: o que significa dizer que a atenção virou um negócio?

O foco não virou apenas um negócio: tornou-se um grande negócio. No século XXI, a atenção das pessoas se tornou uma das commodities de mercado mais procuradas. Mídia, redes sociais e empresas tentam captar a atenção das pessoas. Isso resulta em uma dispersão da atenção das pessoas para questões que não são suas, que não têm um impacto direto em suas vidas; por exemplo, questões de opinião pública sobre as quais os partidos políticos querem que tomemos uma posição, ou as vidas e problemas pessoais de celebridades que não nos agradam nem nos preocupam, etc.

Nem a sexualidade escapa dessa, dentro das redes sociais nos atiram imagens de pessoas com corpos “perfeitos” o tempo todo, o que rouba o nosso foco anterior e cria um desejo que nem existia antes. Inclusive, essa atração por apenas um padrão inatingível pode provocar disfunções sexuais como perda de libido e diferentes tipos de disfunção erétil.

Em 2020 e 2021, por exemplo, a vida de muitas pessoas girava o tempo todo em torno das notícias sobre a covid-19 – que naturalmente nos deixava com medo. E muitas pessoas deixam de prestar atenção a questões básicas, por exemplo, relacionadas a seus entes queridos.

Nesse sentido, o perigo que vejo é que, através da atenção, o conteúdo da mente das pessoas e como elas conduzem suas vidas podem ser “hackeados”, roubados. Especialmente as crianças (devido à falta de maturidade do sistema de atenção) e os idosos (devido à deterioração do cérebro), que acham mais difícil controlar no que querem ou não prestar atenção.

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